Diagnosticada com câncer de mama duas vezes, moradora de Campinas usa dança para lidar com tratamento paliativo
11/10/2025
(Foto: Reprodução) Keyla Ferrari Lopes, pedagoga doutora em atividade motora adaptada
Arquivo pessoal
Há oito anos, a pedagoga Keyla Ferrari, de 49 anos, teve a vida transformada. Em 2017, ela foi diagnosticada com câncer de mama. Venceu a primeira batalha em 2018, mas em 2023 recebeu um novo diagnóstico. Atualmente em tratamento paliativo, mostra que é possível viver com significado mesmo diante dos desafios.
No caso de Keyla, o tratamento não tem perspectiva de cura, mas busca controlar os efeitos da doença e proporcionar melhor qualidade de vida. O acompanhamento envolve aplicações, comprimidos e exames de sangue. Ainda assim, a professora relata que sente bastante cansaço.
Moradora de Campinas (SP) há 26 anos, a artista destaca que viver com câncer não significa estar à beira do fim. “A gente nunca vai tocar o sino da ‘vitória’, mas pode viver uma vida boa em tratamento.”
📲 Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp
Para ela, tratamento paliativo não é só sobre cuidados finais, mas sobre qualidade de vida. “Quando escutamos tratamento paliativo, ficamos chocados. Mas depois percebemos que somos muitas vivendo com o diagnóstico”, diz.
Mãe de Leonardo e Francisco, ela afirma que pequenos prazeres, como tomar café e ver o pôr do sol, tornam o tratamento mais leve. “Nós temos uma doença que não se resume à vida. Nós temos uma vida muito maior do que a doença”, fala.
Keyla Ferrari nasceu em Salto (SP), tem quatro irmãs e somente uma não teve a doença. Ela explica que nenhuma mulher da família possui mutação nos genes BRCA1 e BRCA2 - que aumentam as chances de uma pessoa desenvolver câncer -, mas quase todas tiveram câncer de mama.
DIU não aumenta em 40% a chance de câncer de mama
'O resgate da bailarina'
Filha de uma mulher que enfrentou câncer de mama nos anos 1980, Keyla cresceu vendo de perto os impactos físicos e emocionais da doença. “Minha mãe usava umas próteses de pano, que ela punha e tirava, então eu acompanhei isso quando pequena”, relembra.
Na primeira vez que descobriu, o tumor já estava sólido. Sentiu o nódulo no banho e procurou o médico no dia seguinte. Na segunda vez, o câncer retornou na cicatriz, com algumas metástases no pulmão, sem ela perceber.
"Foi um período de luto porque daí eu entendi que nunca ia tocar o sino da última quimioterapia e que eu vou ter que tratar o resto da vida. Foi um momento também de muita descoberta", relata.
Formada em pedagogia, com mestrado e doutorado em educação física adaptada e Língua Brasileira de Sinais (Libras), Keyla atua há mais de 25 anos com inclusão. Seu projeto atende pessoas com deficiência auditiva, visual, motora e intelectual.
O câncer, segundo ela, trouxe de volta algo que havia deixado de lado. “É isso que o câncer me trouxe de volta, foi o resgate da bailarina”.
Dos palcos à educação especial
A paixão por Libras começou cedo. Aos seis anos, Keyla assistiu à novela “Sol de Verão”, da TV Globo, e se encantou com o personagem surdo de Tony Ramos. “Eu falei, nossa, eu quero fazer isso. Que bonito”, relembra.
A trajetória profissional parecia seguir pela dança. Keyla foi aprovada em uma universidade internacional e chegou a dançar fora do país. Aos 17 anos, enquanto ajudava em aulas de expressão corporal, conheceu um aluno surdo e a irmã dele, com deficiência visual. A experiência decidiu a escolha pela pedagogia.
Keyla é autora de seis livros infantis e três acadêmicos sobre dança inclusiva. Há mais de 25 anos, atua em Campinas com o projeto Cia de Dança Humaniza, iniciado em Itu (SP). O projeto, premiado pelo Programa de Ação Cultural (PROAC), é mantido voluntariamente.
“É o trabalho que eu faço por amor”, afirma. Mesmo com o tratamento quimioterápico, ela conta que continuou dando aulas.
Ensinando com o coração
Para Keyla, a dança é terapêutica. No palco, ela compartilha momentos com pessoas cegas, com baixa visão e com surdo-cegueira. “Aprendo muito com as histórias de vida deles, com a garra que têm”, se emociona.
A vivência com a doença e com os alunos trouxe uma nova perspectiva de vida. “Toda doença faz a gente rever prioridades, fazer novas escolhas, olhar pra dentro… Eu só comecei a refletir depois de dois diagnósticos. Não precisava ficar doente para ter esse processo de reflexão”, conta.
Keyla Ferrari e sua aluna Cláudia em espetáculo do Cia de Dança Humaniza
Redes sociais
'Outubro Rosa é todo dia'
Keyla alerta para lacunas nas políticas públicas para mulheres em tratamento paliativo “que trabalham, têm uma vida útil e sustentam o seu lar. Não é simplesmente vamos sair da aposentadoria por invalidez. Veja, eu não tô inválida, mas eu preciso de cuidados”, diz.
Segundo a bailarina, o tratamento exige cuidados médicos, como fisioterapia, dermatologia, odontologia e psicologia. Mas nem todas as mulheres conseguem arcar com os custos ou acessar associações que oferecem apoio gratuito.
“Os médicos falam atividade física, tem que fazer atividade física, e tem mesmo. E quem não consegue pagar? Ou não consegue ir até o local? Então, a gente precisa pensar um pouco mais. Tá na hora da gente acordar e discutir outras questões. Não é só a prevenção”, diz.
Para ela, o Outubro Rosa “não é só o mês de outubro, é todos os meses, todos os dias. Tem mulheres que nunca vão tocar o sino”, se sensibiliza.
*Estagiária sob supervisão de Gabriella Ramos.
VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Veja mais notícias da região no g1 Campinas